14.2.06

A Negação: Um Problema Típico em Doentes Terminais

Logo depois da cirurgia, meu pai começou a dar bastante trabalho para todos nós que estávamos cuidando dele. Os problemas não eram aqueles que se poderia esperar, os envolvidos como os cuidados de enfermagem ou com os procedimentos terapêuticos necessários à continuidade do tratamento. Naquela época, nós praticamente não tivemos esse tipo de problema. O que mais nos incomodou e preocupou foram os problemas decorrentes da não aceitação ou percepção, pelo meu pai, da sua condição de fragilidade. Muitas vezes ele se expôs a riscos desnecessários ao tentar fazer coisas para as quais, claramente, não estava capacitado. A cirurgia afetou seu equilíbrio físico (depois recuperado com fisioterapia) e o uso contínuo de corticóides enfraqueceu a musculatura (ainda em fase de recuperação). Como conseqüência destas duas coisas, atividades simples, como andar, ir ao banheiro, tomar banho, subir e descer escadas (um grande risco!) e levantar-se de uma cama, envolviam riscos de quedas, tendo como conseqüências possíveis fraturas ou uma nova lesão no local da cirurgia. Nós o alertamos muitas vezes sobre esses riscos, mas ele sempre negava que houvesse algum problema e até tentava fazer escondido àquilo que nós havíamos dito para não ser feito. Certo dia, foi ao banheiro para fazer suas necessidades e se trancou por dentro, de medo que uma das netas o vissem nu. Quando saiu, eu lhe expliquei que ele estava tomando dois tipos de anticonvulsivante, justamente por que havia o risco de convulsões e que se uma ocorresse com ele dentro de um banheiro fechado, poderíamos ter conseqüências graves.

Independente de quanto explicássemos ou insistíssemos para ser precavido e aceitar ajuda, ele continuava a tentar passar uma impressão de normalidade e auto-suficiência, o que nos obrigava a vigiá-lo continuamente. Esse tipo de comportamento foi tão freqüente e repetitivo que começamos a procurar explicações mais convincentes. A primeira hipótese sugerida foi: “é difícil para uma pessoa dessa idade, que sempre foi normal, aceitar suas limitações”. Outra hipótese foi: “ele está com algum déficit de raciocínio ou memória”, por isso não se lembra de suas limitações e acaba repetindo os erros. Acreditando mais nesta segunda hipótese, resolvi testar a memória de meu pai para fatos recentes. Em uma tarde, sentei com ele e fiz trinta perguntas sobre informações e fatos ocorridos nos dois últimos dias. Ele errou apenas duas e que eram realmente sobre fatos pouco importantes e que haviam ocorrido durante a madrugada. Desta forma nossa hipótese de “perda de memória” havia ido por água abaixo. Restou-nos somente a primeira hipótese.

Pensando bem, uma pessoa completamente capaz de desempenhar qualquer atividade do ponto de vista físico, que repentinamente começa a ter grandes limitações, estará propensa a ter dificuldades de perceber a existência dessas limitações e, depois de percebê-las, ela terá que reaprender a viver dentro de sua nova condição. Durante alguns dias aceitei esta explicação, até que me lembrei de ter lido algo sobre fases psicológicas dos doentes terminais e fui procurar, acabando por descobrir que este assunto já foi bem estudado e caracterizado na década de 60. Uma psiquiatra suíça de nome Elisabeth Kubler-Ross, estudando o comportamento de doentes terminais, observou que, ao saber de seu prognóstico, eles costumam passar por cinco fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. De início, os pacientes se recusam a aceitar a situação. Estavam explicadas as reações e comportamentos de meu pai. Apesar de nunca termos revelado a ele o caráter terminal de sua doença, meu pai, que é uma pessoa inteligente, havia percebido a real dimensão do problema e estava se comportando tal como o previsto para a primeira fase descrita pela Doutora Elisabeth. Ainda hoje, decorridos setenta dias da cirurgia, ele tenta transparecer que está tudo absolutamente bem e que não há nada como o que se preocupar. De algum modo, nós desejamos que ele esteja certo, nós esperamos que todos os nossos esforços permitam um tratamento bem sucedido, no qual a doença seja curada ou não progrida, permitindo assim que meu pai nunca precise passar da fase de negação para as fases seguintes.


Três observações:
1. Para ler mais veja o post sobre As Fases Psicológicas dos Doentes Terminais.
2. Ficam aqui registrados meus enormes agradecimentos ao Fisioterapeuta, Dr. L.E.K.M, que tratou meu pai e o “reensinou” a andar, diminuindo enormemente os riscos que ele estava correndo.
3. Este post foi escrito em 15/12/05, mas, como tínhamos muitas outras prioridades, acabou sendo digitado e publicado somente hoje.

4 Comments:

At 09:34, Anonymous Anônimo said...

Meu pai foi operado há 1 ano, ele possui glioblastoma cerebral de nível 4.
Há dois meses foi descoberto outro tumor na parte temporal do lado direito. Tudo apareceu depois de uma cirurgia de deslocamento de retina que após ele mesmo bater a mão no olho os sintomas começaram.
Em menos de dois meses este último tumor cresceu mais de 50% e ainda mais, apareceu um na parte de trás do lado esquerdo. Ele estava bem, mas esta semana seu quadro piorou muito ele já não enxerga mais do lado esquerdo, suas mãos estão extremamente trêmulas e ele sente muita tontura e as dores de cabeça (mesmo com medicamentos) não param - já está tomando até morfina.
Sei que é muito difícil, estamos sofrendo muito, pois ele sempre foi uma pessoa muito ativa e totalmente presente em todos os momentos de nossas vidas. Talvez eu esteja assim pois éramos muito unidos e hoje vejo que são poucos os momentos lucidez que ele possui.
Hoje peço a Deus que tenha misericórdia dele, pois a dor de vê-lo sofrer é insuportável.
Areúsa

 
At 09:36, Anonymous Anônimo said...

Meu pai foi operado há 1 ano, ele possui glioblastoma cerebral de nível 4.
Há dois meses foi descoberto outro tumor na parte temporal do lado direito. Tudo apareceu depois de uma cirurgia de deslocamento de retina que após ele mesmo bater a mão no olho os sintomas começaram.
Em menos de dois meses este último tumor cresceu mais de 50% e ainda mais, apareceu um na parte de trás do lado esquerdo. Ele estava bem, mas esta semana seu quadro piorou muito ele já não enxerga mais do lado esquerdo, suas mãos estão extremamente trêmulas e ele sente muita tontura e as dores de cabeça (mesmo com medicamentos) não param - já está tomando até morfina.
Sei que é muito difícil, estamos sofrendo muito, pois ele sempre foi uma pessoa muito ativa e totalmente presente em todos os momentos de nossas vidas. Talvez eu esteja assim pois éramos muito unidos e hoje vejo que são poucos os momentos lucidez que ele possui.
Hoje peço a Deus que tenha misericórdia dele, pois a dor de vê-lo sofrer é insuportável.
Areúsa

 
At 17:48, Anonymous Anônimo said...

Achar esse blog foi realmente muito interessante, meu pai infelizmente sofre dessa mesma doença, há 3 anos. E esta a cada dia nos surpreende.
Interessante você ter se aprofundado no assunto e escrever um blog sobre, pois esta não é uma doença com a qual é fácil lidar.

Fique com Deus e saúde pro teu pai.

 
At 14:39, Anonymous Anônimo said...

Perdemos o meu irmão há 5 meses, vítima desta doença. Ele era uma pessoa linda, por dentro e por fora, aos seus 27 anos, advogado, com uma filinha de 5 anos... ele foi morar junto de Deus.
Quando descobrimos o tumor, com 8 cm, foi realizada a cirurgia para a retirada, mas não foi possivel retirar por completo. Começou-se a luta, com as radioterapias e após, sessões de quimioterapias. Ele parecia muito bem, apesar de ter perdido um pouco da agilidade dos movimentos, a perca de equilíbrio, e algumas falhas de memória. Quando foi feita a ultima ressonância magnética, que diagnosticou uma metástase.
A partir deste dia, a doença foi tomando conta dele... passamos a cuidar de todos os seus atos, e movimentos...apesar de ele se sentir encomodado com tudo isso, à princípio.
Com o passar dos dias, ele se entregou, deixava que déssemos o banho, ir juntos ao banheiro, dar comida na boca, e tudo o que não mais conseguia fazer sozinho.
Em dois meses ele perdeu todos os sentidos.... foi uma fase muito difícil, para toda nossa familia.
Minha mae passava dias e noites ao lado dele... até que Deus o chamou.
É muito triste ver uma pessoa tão querida, deixando de viver a cada dia, sem poder fazer nada para evitar.
Li os depoimentos, e senti tudo de novo...
Tenham fé em Deus.

 

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