Transcrevo abaixo o e-mail que recebi de um leitor do blog, acompanhado de minha resposta. A atitude deste leitor merece um artigo pelo fato de demonstrar princípios muito semelhates aos que me levaram a construir este relato do tratamento de meu pai: é preciso e possível fazer muito mais pelos pacientes portadores de "doenças terminais"!
O E-Mail:
Caro Miguel
Enviei esta mensagem para seu e-mail no dia 19/1/2007, para só hoje descobrir que enviei para o endereço errado.
Meu nome é Álvaro, e descobri seu blog ("Diário de um Tumor Cerebral") na segunda-feira da semana passada (8/1/07). Descobri enquanto fazia uma prospecção um pouco a esmo pela internet, em busca de entender um pouco mais sobre cânceres e possibilidades a respeito deles. A esta época, a minha mãe era uma paciente com forte suspeita de câncer.
Esta semana, nos veio a confirmação. O exame histo-patológico nos deu hoje o resultado, confirmando que ela possui um tumor no pulmão. Infelizmente, a primeira manifestação do tumor foi através de suas metástases, e infelizmente estas metástases residem no cérebro.
Já aprendi um bocado sobre câncer em geral e sobre o de pulmão em específico nestes dias. Lendo seu blog, resolvi tomá-lo como um exemplo. A sua história com o seu pai é encorajadora pra qualquer um com um diagnóstico ruim. Concordo com praticamente tudo o que li no seu blog, e me interessou muito o que faz o Prof. Ben Williams. Claro que o caso da minha mãe é diferente, pois não é um tumor cerebral primário, mas pelo que já pude olhar (comecei minhas pesquisas há pouco, ainda tenho muito caminho pela frente), muito do trabalho do Prof. Williams e o seu próprio, no seu blog, pode ser aproveitado para pacientes com outros tipos de câncer.
Creio que o principal que aprendi com vocês dois foi o exemplo, de buscar em fontes confiáveis todas as opções razoáveis para o problema, já que, tenho certeza, a medicina protocolar, isoladamente, nos predirá um prognóstico "reservado" (pra usar os eufemismos que textos sobre cânceres graves usam).
Entretanto, não sei quanto tempo eu tenho. Não posso me dar ao luxo de não aproveitar muito do material que você e o Prof. Williams já pesquisaram. Pretendo utilizar isto, naturalmente, em conjunção com as minhas próprias pesquisas sobre câncer em geral, e, no meu caso, câncer de pulmão, e metástases cerebrais.
O lado menos ruim disto tudo é que, apesar de serem múltiplas metástases, e de alguns sintomas limitantes, o estado geral da minha mãe é muito bom (segundo o próprio neurologista que a viu) para a quantidade de lesões que a Ressonância Magnética apresenta. Temos outros fatores bons, também, que são a aparente ausência de metástases em demais lugares (principalmente adrenais e fígado), a não invasividade do tumor em áreas vizinhas, como o mediastino e a pleura, as excelentes taxas que os exames de sangue trouxeram, dentre outros.
Entretanto, é um caso extremo, e, como você, creio que tenho que fazer mais, MUITO MAIS, para obter um sucesso. É bastante trabalhoso, já que sou leigo em medicina, mas creio que este é o caminho.
A razão pela qual lhe escrevo é por conta de posts em seu blog em que você lista as substâncias que vai pesquisar, e outros em que fala de um ou outro companheiro de pesquisa (dentre os quais, um, infelizmente, perdeu a esposa para o Glioblastoma). Eu gostaria, se possível, de ter acesso ao que de útil suas pesquisas podem ser ao nosso caso, para além, claro, daquilo que você já colocou no blog. Fiz um guia sobre o tratamento, e destaquei também um arquivo em que armazeno dados sobre a pesquisa farmacológica que estou iniciando, contando com quimioterápicos e substâncias convencionais e aquelas não convencionais. Estou, também, juntando o que posso de artigos científicos disponíveis pela internet, que baseiem, de alguma forma, as pesquisas. Encontrei, inclusive, um publicado na Revista Brasileira de Cancerologia que é uma revisão literária sobre Melatonina e câncer, que é muito bom. Baixei, inclusive, do portal do INCA.
No que me for possível, posso disponibilizar a você, também, os resultados do que eu conseguir pesquisar, embora eles ainda precisem de muito trabalho.
Ah, sobre a situação atual do caso da minha mãe, amanhã teremos a primeira consulta com um oncologista, na Oncoclínica (RJ, capital, onde moramos). Dependendo da consulta, iremos também ao INCA, na segunda-feira.
Agradeço a sua atenção, espero que leia meu e-mail rapidamente.
PS: Encontrei seu perfil no orkut, e segui alguns de seus posts em comunidades médicas no orkut, em especial os em que você conversava com os médicos sobre seu dilema farmacocinético. Aliás, gostaria de saber, afinal, se você conseguiu resolver o dilema, ou se de fato espera um dia depois da quimioterapia para administrar antioxidantes, e pára a administração um dia depois.
PS2: Já tivemos a consulta com a oncologista. Depois posso escrever contando mais.
PS3: Como está seu pai? Nesta altura, calculo que são um ano e quatro meses (16 meses) desde o diagnóstico, não?
Obrigado
A resposta:
Olá Álvaro,
Recebi seu e-mail e depois observei que você já havia o enviado pelo Orkut. Lá ele caiu na caixa de mensagens e, como raramente leio o que aparece nela, ficou abandonado. Teria sido mais fácil me contatar através do blog, onde respondo às postagens dos leitores pelo menos uma vez por semana. Aviso-lhe que vou transcrever para o blog nossa conversa, mantendo sua identidade preservada. Isto permite que outros façam uso de nossa troca de experiências.
Bom, lendo tudo o que você escreveu, acho que você já pegou bem o “espírito” da coisa. Sem eufemismos, câncer de pulmão com metástases cerebrais é estatisticamente quase tão letal quanto o glioblastoma. Assim, como você já percebeu, não dá para ficar esperando que o protocolo seja suficiente.
Concordo que você já aprendeu um bocado sobre o câncer, principalmente as reais perspectivas e as limitações da medicina institucional. Talvez o que você ainda não tenha aprendido, e que só o tempo vai ensinar, é o quanto é difícil tomar decisões acerca de terapias complementares, convencer os outros (parentes principalmente, pois médicos é impossível) de que elas são corretas e ter a coragem de colocar em prática suas suposições quando elas representarem riscos. Você deverá ser muito racional, frio e calculista. Na realidade tudo que se pode fazer é montar um grande esquema onde as terapias complementares agreguem probabilidades de êxito, sem agregar muita probabilidade de um erro grave. É algo simples de falar, mas extremamente difícil de fazer. Verdadeira luta contra um monstro poderoso de dimensões gigantescas.
Fico feliz que o blog tenha estimulado você a “assumir o controle”, depois de constatar que os outros se mostram conformados com as perspectivas. Também tenho certeza que o Prof. Ben A. Williams ficaria orgulhoso de sua influência em nossos destinos. Espero um dia escrever a ele e contar como ele influenciou nossas vidas e a de nossos entes queridos.
É verdade que alguns complementos terapêuticos mencionados aqui e/ou no trabalho do Dr. Williams são úteis em vários tipos de câncer, mas, preste bastante atenção: não existem panacéias, isto é, não existem remédios que sirvam ao mesmo tempo para todos os cânceres ou todos os tipos de doenças. Inclusive alguns, que são muito benéficos em determinados casos, podem ser um verdadeiro desastre em uma patologia um pouco diferente. Se continuar a pesquisar em fontes confiáveis, logo você encontrará exemplos disto.
De fato, a partir do diagnóstico nunca sabemos se o tempo de que dispomos será suficiente para nossa busca. Assim, é uma boa idéia partir do trabalho de outros, desde que o mencionado no parágrafo anterior esteja em mente e sejamos criteriosos. Acho que sua primeira providência é estabelecer prioridades e planejar sua busca de alternativas e complementos terapêuticos. Existe um post no blog de título “
Fatores Para Intervir e Ajudar a Controlar Cânceres e Tumores”, acredito que ele indica em linhas gerais o que você estará procurando. Uma segunda providência, que é similar ao que eu fiz, é listar todas as substâncias que eventualmente possam ser úteis para o tratamento e verificar o quão freqüente é o aparecimento delas em associação com câncer pulmonar. Para isto você deve pesquisar somente sites de cunho realmente científico. Na época eu usei somente o PubMed, hoje talvez usasse o Google Acadêmico, que inclui uma base de dados maior que o primeiro. A lista com as freqüências permitirá estabelecer uma hierarquia de forma a apostar suas fichas (o tempo) nas pesquisas que oferecem maior probabilidade de resultarem em algo palpável e que dispõem de mais abundancia de material científico a ser pesquisado. Para eliminar um bocado de trabalho, antes de avaliar se o medicamento ou complemento é útil para sua mãe, lembre-se de verificar inicialmente: segurança, interações e disponibilidade. Por exemplo, desde um mês após o diagnóstico de meu pai, sei que a talidomida teria sido um complemento potencialmente muito útil, mas é praticamente impossível comprar ou conseguir este medicamento sem que o paciente esteja em um protocolo científico de testes clínicos. Desta forma abandonei a idéia muito cedo. A ironia é que cerca de dez meses após o começo do tratamento fiquei sabendo por intermédio de um neurologista que estava sendo iniciado em um trial em São Paulo usando exatamente a associação que eu desejava fazer, isto é temozolamida + talidomida.
Sobre nossas pesquisas o que posso lhe dizer é que, embora tenha muitos e-mails guardados eles não estão organizados o suficiente para eu repassa-los a você. Por isso, vou tentar citar aqui o que pesquisamos detalhadamente na literatura médica e científica e o que aprovamos para ser agregado ao tratamento.
-Pesquisados: raloxifeno, tamoxifen, acutane, unha de gato(uncária tomentosa), vitamina D (alfacalcidol e calcitriol), omega3 (fish oil), selênio, centrum silver, targifor C, forten, fosfoamidas, brotos de brócolis. (Não sei se esqueci algum).
-Aprovados: vitamina D (só alfacalcidol), omega3, selênio, centrum Silver, targifor C, forten. Além, é claro, da melatonia, licopeno e alterações nutricionais.
Os demais ou não apresentavam evidências de efetividade ou tinham uma relação risco/benefício ruim. No entanto, a dupla raloxifeno/tamoxifem é algo que acho que não foi suficientemente estudado ou avaliado e é provável que tenhamos errado ao deixá-los de fora. Por isto, recomendo que você inclua em suas pesquisas.
Aceitarei de muito bom grado os resultados de suas pesquisas e os publicarei aqui, desde que sejam muito criteriosos.
Sobre o Dilema Farmacocinético, a situação ficou da seguinte maneira. Depois de muito discutir com médicos, farmacêuticos e bioquímicos, acabei concluindo que a probabilidade dos antioxidantes tornarem inefetivo o quimioterápico é mínima. A maioria das pessoas, comodamente, gosta muito de lembra que não existem evidências que indiquem a apropriação do uso simultâneo, o que não é resposta para a pergunta que fiz, mas sim uma forma de escapar dela. Eu pensei de uma forma mais pragmática. Tendo em vista os enormes custos do quimioterápico, parece muito razoável não arriscar. Assim, interrompíamos a administração de antioxidantes um dia antes do início do ciclo e retomávamos um dia depois.
A respeito da consulta que você tiveram com a oncologista imagino que sei exatamente o que aconteceu, mas para não demonstrar meus preconceitos nem propalá-los, prefiro que você conte.
Sua última pergunta foi sobre o estado atual de meu pai. A resposta é simples: está bem. Frente às perspectivas que nos apresentaram na época do diagnóstico, está muito bem. Fala, anda, come, brinca, trabalha e teima incessantemente em voltar a dirigir, coisa esta que ainda não permitimos, pois a única seqüela evidente é um leve déficit no equilíbrio.
Miguel Francisco.