30.3.06

Tumores: Três novas fontes de informações.

Eu já havia feito um post sobre este tema, o “Como encontrar boas informações sobre doenças e tratamentos na Internet”, mas durante todos estes meses de pesquisas acabei encontrando várias outras fontes de informação que podem ser úteis na busca de orientação e tratamentos para tumores e outras doenças. Destas várias, três acho dignas de serem destacadas aqui. São elas:

Google Acadêmico
O Google Acadêmico fornece uma maneira simples de pesquisar literatura acadêmica de forma abrangente. Você pode pesquisar várias disciplinas e fontes em um só lugar: artigos revisados por especialistas (peer-rewiewed), teses, livros, resumos e artigos de editoras acadêmicas, organizações profissionais, bibliotecas de pré-publicações, universidades e outras entidades acadêmicas. O Google Acadêmico ajuda a identificar as pesquisas mais relevantes do mundo acadêmico. (a maioria dos textos é em inglês).

MedlinePlus

MedlinePlus ajuda a encontrar as respostas que você busca em temas sobre saúde. Tem compiladas as informações mais confiáveis proveniente de fontes de reconhecida competência tais como a Biblioteca Nacional de Medicina e os Institutos Nacionais de Saúde (ambos do EUA), assim como outras agências governamentais e organizações de serviços de saúde. Também oferece muitas informações sobre medicamentos, uma enciclopédia médica ilustrada, programas interativos para os pacientes e as mais recentes notícias sobre saúde. (Há versões em inglês e espanhol).

FDA – U.S. Food and Drug Administration

A centenária instituição americana que aprova e controla alimentos e medicamentos, é mais antiga agência de proteção do consumidor. Seu papel é pesquisar e avaliar a segurança e aplicabilidade de novos e antigos medicamentos para o tratamento de doenças. (A maior parte do site é em inglês, mas há bastante material em espanhol.)

29.3.06

O Temodal (temozolamida) e suas várias bulas.

Algum tempo atrás meu pai começou a ter inchaço nos pés e tornozelos. Depois de umas vinte seções de fisioterapia ele melhorou e o inchaço praticamente desapareceu. No entanto, na semana passada, suas mãos começaram a inchar e, em alguns dias, apresentou também os pés inchados. Como o problema ocorria em ambos os pés ou mãos, pensamos que não deveria ser decorrência de machucados, mas sim de efeitos colaterais de algum dos muitos medicamentos que ele está tomando. Como conseqüência vasculhamos de cima a baixo todas as bulas para ver se encontrávamos algo, mas nada. Fomos até a um cardiologista e estávamos prestes a marcar uma consulta com um reumatologista.

Depois de falar com o oncologista, que não soube dar nenhuma orientação, decidi procurar eu mesmo. Usando o Google comecei a procurar páginas da internet que tivessem simultaneamente a palavra edema (inchaço) e cada um dos remédios que meu pai está usando e acabei achando a resposta. O responsável é o Temodal (é incrível o oncologista não saber disto). A bula dele não fala nada a respeito de edemas periféricos, isto é, inchaço nas extremidades do corpo. Achei estas informações no MedLine Plus.

Para tirar a dúvida acessei o site da FDA (U.S. Food and Drugs Administration), órgão do governo americano responsável pelo controle e aprovação de medicamentos. Neste site encontrei a bula do temodal, versão em inglês, e esta menciona claramente não só o problema do inchaço em membros periféricos, mas também outros problemas que na são mencionados na bula que acompanha o remédio no Brasil. Um exemplo disto é a incontinências urinária noturna, problema que meu pai começou a ter a cerca de uns dois meses e que nós acreditávamos ser algum tipo de seqüela ou decorrência do uso de um grande número de remédios.

Por respeito ao consumidor, principalmente ao consumidor de Temodal, que necessariamente vive uma situação dramática, a subsidiária brasileira da Schering-Plough deveria fazer o mínimo, isto é, se não tem competência para produzir uma bula decente, deveria traduzir e copiar correta e integralmente as informações que são disponibilizadas ao consumidor americano.

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22.3.06

Ômega 3: um adjuvante potencial para o tratamento de tumores

Os ácidos graxos do tipo Ômega 3 são um subgrupo dos ácidos graxos poliinsaturados. Existem três substâncias que são classificadas como Ômega 3 são elas: o ácido eicosapentaenoico, o ácido docosahexaenoico e o ácido alfa-linoleico. As principais fontes para nutrição humana são o óleo de peixe e o óleo de linhaça.

Na atualidade, existem muitas pesquisas científicas testando a utilidade destas substâncias no tratamento de diversas doenças, e o óleo de peixe (fish oil) é uma das substâncias incluídas em minha lista de revisão da literatura científica em busca de alternativas de tratamento para tumores cerebrais do tipo glioblastoma multiforme.

Não tem sido meu hábito postar aqui reproduções de artigos de outros sites, mas como este trata sobre o Ômega 3 e está muito bem escrito, embora em linguagem jornalística, vou transcrever abaixo o texto encontrado no site da BBC.

Ômega 3 'detém câncer de próstata', diz estudo
Salmão
O salmão está entre os peixes cuja carne é rica em gordura ômega 3
Uma dieta rica em peixes gordurosos – como salmão, atum, cavala e anchova, entre outros – pode reduzir as chances de se desenvolver as formas mais agressivas de câncer de próstata, de acordo com uma pesquisa do Instituto Paterson, na Grã-Bretanha.

O estudo, publicado pela revista especializada British Journal of Medicine, indica que as células cancerosas não conseguem migrar para tecidos saudáveis quando o paciente tem uma alimentação rica em gorduras do tipo ômega 3, encontradas nos peixes gordurosos.

Os cientistas, baseados no Hospital Christie, de Manchester, testaram os efeitos de dietas ricas em dois tipos de gordura, a ômega 3 e a ômega 6, encontrada em nozes, sementes e óleos vegetais.

No entanto, o efeito da gordura Ômega 6, que também traz importantes benefícios para a saúde, em pacientes de câncer de próstata é o inverso: o estudo indica que a transmissão das células doentes para a medula óssea foi aumentada.

'Fontes de energia'

Os pesquisadores acreditam que as células cancerosas podem utilizar as gorduras ômega 6 como fonte de energia para manter a sua alta taxa de reprodução e criando moléculas que controlam a migração.

"É possível que uma dieta saudável e balanceada com estes dois tipos de gordura, já que é a quantidade de ômega 3 necessária equivale a apenas a metade da quantidade de ômega 6, impeça a proliferação do câncer", afirmou o pesquisador Mick Brown.

O chefe da equipe de cientistas, Noel Clarke, também suspeita que uma dieta equilibrada entre os dois tipos de gordura possa conter o câncer de próstata.

"Essa dieta pode ajudar a manter o câncer dentro da própria próstata, onde ele pode ser monitorado com segurança e mais facilmente combatido com cirurgia ou radioterapia."

17.3.06

Glioblastoma Multiforme: uma Revisão da Literatura Científica em Busca de Alternativas de Tratamento

Estou planejando como realizarei a revisão citada no título e publico aqui o que estou pensado fazer para que quem lê este blog, se quiser ou puder, manifeste sua opinião sobre o acerto do método, possíveis correções e sugestões. Qualquer palpite, dúvida ou sugestão é bem-vindo. Se puder, manifeste-se postando um comentário ou mandando um e-mail para blogante(arroba)yahoo.com.br. (substitua o (arroba) por @.)
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Justificativa do Esforço
Após vários meses convivendo com a doença de meu pai e tendo pesquisado e lido inúmeros textos sobre glioblastoma e outros tumores cerebrais, cheguei a algumas conclusões que me parecem justificativas suficientes para uma revisão sistemática da bibliografia médica e científica sobre o assunto. No meu entender, o que evidencia o valor deste grande esforço são as seguintes razões:
  • O glioblastoma multiforme é uma doença poderosa e altamente letal, mesmo quando tratada com os recursos irrestritamente aceitos na medicina;
  • Mesmo tendo sido extirpado cirurgicamente e tratado com quimioterapia e radioterapia, probabilidade de recorrência do tumor é enorme;
  • Os tratamentos reconhecidos e aceitos pela comunidade médica são de eficácia muito limitada. Para se ter idéia, o uso de temodal, considerado o melhor medicamento, aumenta a expectativa de vida em apenas algumas semanas;
  • Existe um grande número de substâncias que apresentam evidências de eficácia, mas, porque não apresentam atratividade financeira, são negligenciadas por grande parte da comunidade científica e pela quase totalidade da indústria farmacêutica;
  • O exemplo verídico retratado no filme “O Óleo de Lorenzo”. Nele, um médico identifica em um garoto uma doença rara, dando-lhe no máximo mais 2 anos de vida. Sem se conformar com esta situação, seus pais passam então a pesquisar sobre a doença, a fim de encontrar algo que possa ajudar o filho. Depois de inúmeras dificuldades e muita pesquisa, os pais conseguem achar um tratamento e, em 2005, Lorenzo, com 27 anos, ainda está vivo, apesar de ter muitas limitações.
A Base de Partida:
Existem provavelmente centenas de milhares de substâncias com potencial anticancerígeno. Por este motivo, começar a busca aleatoriamente seria algo improdutivo, se não insano. Resolvi me aproveitar do conhecimento previamente acumulado por uma vítima de Glioblastoma Multiforme de Grau 4. Essa pessoa se chama Bem A. Williams e foi diagnosticado em 1995, está vivo e saudável. Ele publica anualmente um resumo de seus estudos e conclusões sob o título de “Treatment Options For Glioblastomas and Other Gliomas”. A versão que possuo é datada de 1 de agosto de 2005 e faz menção a muitas substâncias. São elas que serão estudadas.

As Fontes de Informações:
Não tenho acesso a publicações científicas em formato impresso, muito menos a uma biblioteca que fosse suficientemente ampla e atualizada para permitir a realização de uma revisão como a que pretendo fazer. Resta-me como única alternativa usar o que existe disponível na internet, que certamente não é pouco. Para ter uma noção, se pesquisarmos com o Google a palavra temozolomide, que é o nome em inglês do princípio ativo do medicamento Temodal (ou Temodar), o número de resultados possíveis apresentado é 316.000, por certo, mais do que suficiente para saber quase tudo o que se conhece sobre o assunto.

Uma segunda fonte de informação que pretendo usar, mais precisa, delimitada e confiável, é o PubMed, um serviço da Biblioteca Médica Nacional (National Library of Medicine) e do Instituto de Saúde Nacional (National Institute of Health), ambos americanos. Este servico contém milhões de artigos científicos correlacionados à medicina e à saúde.

Por razões quase óbvias, toda a pesquisa deve ser feita em inglês. Não só pelo PubMed estar nesta língua, como também por que esta é a língua predominante na internet.

O Método de Pesquisa
Minha idéia é fazer o trabalho em duas etapas, uma meramente numérica e outra mais analítica e qualitativa. Antes de começar o trabalho de pesquisa das qualidades terapêutica, verificarei se cada um dos agentes terapêuticos a terem a literatura científica revisada é disponível no Brasil ou se é possível importá-lo, pois nada adiantaria concluir que um determinado agente é muito útil se ele é inacessível.

As duas etapas:

1.Numérica
  • Aqui levantarei: (1)-A freqüência em que cada substância aparece no Google; (2)-A freqüência em que ela aparece na mesma página com as palavras “tumor” ou “câncer”; (3)-A freqüência em que ela aparece na mesma página com as palavras “glioma” ou “glioblastoma” ou “astrocitoma”; (4), (5) e (6)- As mesmas freqüência de 1, 2 e 3, só que exclusivamente nas paginas do PubMed. Analisando esses dados numéricos espero conseguir alguma medida de relevância para cada substância, a partir da qual definirei a ordem de prioridade na qual deverá ser realizada a segunda etapa.
2. Qualitativa
  • Para cada uma das substâncias, usando o PubMed e outros sites claramente científicos: (1) Procurar relatos de estudos laboratoriais (com células e animais) e experiências com humanos; (2) Avaliar os resultados desses estudos e experiências sob quantos aspectos for possível; (3) Identificar os mecanismos de ação, se possível; (4) Identificar os riscos potenciais, efeitos adversos e/ou colaterais e possíveis interações e sinergias.

As Substâncias
O último relato de Bem A. Williams inclui 44 substâncias potencialmente benéficas no tratamento de Gliomas. Abaixo apresento os nomes tal como os extraí do texto original. Alguns são princípios ativos, outros são nomes comerciais das substâncias e algumas têm até mais do que dois nomes. Em um post posterior, quando já tiver verificado a disponibilidade destes produtos no Brasil, postarei uma nova relação contendo os princípios ativos e os nomes comerciais, tanto em inglês como em português.

A relação das substâncias:
  • Accutane, Alfacalcidol, Avastin, Berberine, Boswelli Acid, Broccoli Sprouts, Bromelain, Cannabis, Carboplatin, Celebrex (Celebra), Chloroquine, Clhorimipramine, Cpt-11, Curcumin, Disulduran (Ou Antabuse), Ellagic Acid, Erbitux, Etoposide, Fish Oil (Epa E Dha), Gamma-Linolenic Acid (Gla), Genistein, Gleevec (Ou Sti-571 Ou Imatanib), Glitazone, Green Tea (Chá Verde), Iressa, Irinotecan, Lycopeno, Marinastat, Melatonin, Mitoxantrone, Nimodipine, Polysaccharide Krestin (Ou Psk), Quercetin, Rapamycin, Resveratrol, Selenium, Silibinin, Simvastatin, Tagament (Ou Cimetidine), Tamoxifen, Tarceva, Thalidomide, Topetecan, Vitamin D.

Artigo Esclarecedor e Inspirador

Transcrevo abaixo na íntegra um artigo publicado originalmente na Revista Espaço Acadêmico – Nº 28 – Setembro de 2003. Certamente ele servirá de luz acerca do domínio do conhecimento científico por parte da “autoridades” médicas e outras "autoridades" tituladas.

O Autor é o Professor Antonio Ozaí da Silva, do Departamento de Ciências Sociais (UEM) e doutorando na Faculdade de Educação (USP).


Óleo de Lorenzo e Patch Adams:
A arrogância titulada

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas. (Machado de Assis)

A sabedoria vale mais que a força; mas a sabedoria do pobre é desprezada e às suas palavras não se dão ouvidos. (Eclesiastes 9,16)
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Todos os dias, milhares de pessoas se submetem ao deus criado pela humanidade: sua santidade o cientista. Seu santuário localiza-se nos edifícios dos modernos laboratórios, hospitais e universidades. Em todos os lugares, encontramos o especialista, guardião do conhecimento científico, o qual, pretensamente, tem resposta para todos os males que afligem a humanidade. São os pequenos profetas, representantes do saber canônico legitimado pela sociedade, autoridades instituídas que têm o poder da palavra. Como escreve Bourdieu:

“A especificidade do discurso de autoridade (curso, sermão etc.) reside no fato de que não basta que ele seja compreendido (em alguns casos, ele pode inclusive não ser compreendido sem perder seu poder), é preciso que ele seja reconhecido enquanto tal para que possa exercer seu efeito próprio.” (1998: 91)

Os estudantes, por exemplo, ficam extasiados com a erudição do mestre. Em certas circunstâncias, quanto mais incompreensível for o discurso do professor mais ele parecerá inteligente. Em geral, passa despercebido o fato de que a instituição universitária legitima o discurso professoral: o docente não precisa saber, mas sim aparentar que sabe. Tempos atrás, havia uma novela onde o personagem, estilo professor-filósofo, discursava em solenidades e o público ficava boquiaberto com tanta sabedoria e erudição; na verdade, embromação.

Este tipo de autoridade se impõe devido à nossa cumplicidade. Quando procuramos o médico aceitamos de bom grado a sua autoridade: suas palavras expressam a verdade científica. Como nós, míseros ignorantes, podemos questioná-lo? Terá o aluno a ousadia de questionar o saber do professor? Ainda que este ou aquele professor seja inquirido neste ou naquele ponto, a sua autoridade estará resguarda pela posição que ocupa na instituição. Ou seja:

“A linguagem de autoridade governa sob a condição de contar com a colaboração daqueles a quem governa, ou seja, graças à assistência dos mecanismos sociais capazes de produzir tal cumplicidade, fundada por sua vez no desconhecimento, que constitui o princípio de toda e qualquer autoridade.” (Id.)

A imposição do saber canônico, da palavra autorizada, inclina-se à arrogância, manifesta ou camuflada (na forma da humildade demagógica). Isto ocorre na medida em que o portador do conhecimento científico não reconhece outro saber. Há quem considere que a posse da sabedoria livresca e do conhecimento titulado e legitimado pela instituição concede status superior. Não fosse o mal e o sofrimento que causa – para si e para os outros –, a arrogância bem que poderia ser desconsiderada ou simplesmente debitada às compreensíveis fraquezas humanas.

Imagine-se no lugar da criança submetida à arrogância professoral, do estudante sacrificado no templo dos pequenos profetas, ávidos e autoritários; imagine-se nos corredores de um hospital, submetido à autoridade dos médicos e burocratas e sem outra opção a não ser esperar e esperar...

E quando, mesmo com toda a cumplicidade à autoridade instituída, nos vemos diante de uma situação desesperadora, para a qual a ciência não tem resposta? O filme O Óleo de Lorenzo ilustra bem esta situação. Trata-se da história de uma criança que tem uma doença rara e, pelos prognósticos dos doutos cientistas, não viverá muito. Logo nas primeiras cenas um fato se sobressai: o sofrimento ao qual o menino é submetido e as dificuldades da ciência em diagnosticar. A fala fria e científica do médico, ao informar o diagnóstico, contrasta com o desespero dos pais. A mãe pergunta se não há uma remota possibilidade de cura, se ele tem certeza. O doutor responde, secamente: “Absoluta”. Só resta a resignação.

Em Patch Adams, fica claro como se chega à objetividade científica traduzida em gestos e falas que mais se assemelham a autômatos. O filme relata a história de um homem com tendência suicida que, no hospício, descobre um sentido para a vida: ajudar o próximo. Nesta busca do outro, ele decide fazer o curso de medicina. Na faculdade, entra em choque com a burocracia e, principalmente, com a filosofia de ensino defendida pelo professor-reitor. O paciente se submete à autoridade do médico, o que atesta o seu poder. Como o poder causa dano, a solução apregoada pelo reitor para evitar ou minorar as conseqüências é a recusa dos sentimentos e a valorização absoluta da objetividade científica. Nesta perspectiva, a tarefa dos professores é desumanizar os futuros médicos, isto é, recusar-lhes o status de humanos (com suas paixões, sonhos, fraquezas e dilemas), e transformá-los em médicos. A relação deixa de ser uma relação entre humanos e passa a ser uma relação sujeito-objeto, do médico com a doença. Os doentes são desumanizados, anulados em sua identidade e transformados num número da ficha hospitalar, num caso a ser estudado, diagnosticado e tratado.

Eis como se forma um cientista desprovido de subjetividade – como se isto fosse possível! A propósito, seria a sisudez um aspecto inerente ao ato de fazer ciência? Observa-se nestes filmes como alguns indivíduos que representam o saber científico (médico, professor, pesquisador etc.) distanciam-se dos demais seres humanos e adotam um ar de gravidade – confrontado, em Patch Adams, pelo bom humor e o jeito peculiar de encarar a profissão. É interessante como este estilo influencia os estudantes: o aprender transforma-se em sinônimo de desprazer, competição e inveja (como se a cretinice e a chatice fosse condições para o trabalho intelectual). A prática de Patch Adams, coloca em xeque o método de ensinar-aprender tradicional. Não por acaso, o reitor defende-se dos questionamentos com um argumento tipicamente científico: “Nosso método é o resultado de séculos de experiência”.

O filme O Óleo de Lorenzo demonstra que, em sua arrogância, os guardiões do saber canônico não admitem concorrência: reflete a contradição entre o saber considerado científico e o saber não reconhecido no campus. Os pais de Lorenzo, na luta para salvar o filho, tornam-se autodidatas, rivalizando com os renomados doutos. As autoridades científicas relutam em aceitar os avanços obtidos nas pesquisas realizadas externamente ao seu controle.

Mas, a resistência não é apenas dos médicos: os demais pais, cujos filhos sofrem da mesma doença de Lorenzo, não aceitam que alguém fora da academia possa atingir o saber científico. Ou seja, negam legitimidade ao saber não-diplomado. “Querem ensinar os médicos”, acusa uma mãe. Em sua opinião, o desafio ao saber estabelecido é um ato arrogante. E ela tem certa razão. Com efeito, a palavra arrogante vem do latim arrogare, que significa apropriar-se de. E de fato, o que o pai de Lorenzo faz é, por meios próprios, apropriar-se do conhecimento científico.

Patch Adams também representa um desafio ao saber instituído, na medida em que questiona seus pressupostos e projeta uma experiência autogestionária, onde todos aprendem e ensinam mutuamente (a idéia de um hospital no qual os doentes e médicos aprendem uns com os outros e somam esforços no sentido de tornar a vida melhor).

Ambos os filmes não descartam o saber instituído. Não há contradição absoluta entre os tipos de saber: o autodidatismo do pai de Lorenzo se referencia no conhecimento científico acumulado e disperso; a crítica de Patch Adams se insere no contexto do campus. Num e noutro caso, não há a negação absoluta do saber científico, mas sim de uma determinada maneira de compreendê-lo e de agir. Tanto o pai de Lorenzo quanto Patch Adams são incorporados e assimilados pelo campo acadêmico.

Óleo de Lorenzo e Patch Adams, baseados em histórias reais, questionam a arrogância titulada e o intelectualismo desencantado do mundo: o saber cientificista, abstrato e sisudo, profundamente desvinculado do humano; um saber que não mergulha no mar da humanidade, um saber desumanizado.

O amor pelo filho e pelo próximo alimenta a paixão pelo conhecimento. “Com efeito, para o homem enquanto homem, nada tem valor a menos que ele possa fazê-lo com paixão”, afirma WEBER (1993: 25) O trabalho realizado com paixão inspira e realiza o homem; o contrário, exprime obrigação, opressão. O exemplo do pai de Lorenzo comprova que o diletantismo, como admite Weber, é positivo:

“No campo das ciências, a intuição do diletante pode ter significado tão grande quanto a do especialista e, por vezes maior. Devemos, aliás, muitas das hipóteses mais frutíferas e dos conhecimentos de maior alcance a diletantes. Estes não se distinguem dos especialistas (...) senão por ausência de segurança no método de trabalho e, amiudamente, em conseqüência, pela incapacidade de verificar, apreciar e explorar o significado da própria intuição”. (Id.: 26)

O saber confrontado pelas experiências relatadas nestes filmes vincula-se, via de regra, à vaidade – que, em defesa dos intelectuais, não é uma propriedade exclusiva do campus. Se todos somos vaidosos, em menor ou maior grau, o problema começa quando a vaidade se traduz em atos autoritários ou se erige em obstáculo às relações humanas (talvez, por isso, há quem prefira os animais).

O mais preocupante nisto tudo é a perda do sentido da vida e da percepção da sua finitude. Se levarmos em conta as sábias palavras em epígrafe e, quem sabe, nos tornemos mais humildes em relação às nossas pretensões intelectuais e tenhamos uma atitude mais crítica (quanto ao pretenso conhecimento científico) e mais flexível (em relação à sabedoria popular). Quem sabe, aprendamos a controlar a arrogância e nos convençamos de que os títulos acadêmicos não nos tornam essencialmente melhores do que os nossos semelhantes não-titulados.
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BIBLIOGRAFIA:
  • BOURDIEU, P. (1988) A Economia das Trocas Lingüísticas: O que Falar Quer Dizer. São Paulo: Edusp.
  • MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Memórias póstumas de Brás Cubas. Santiago (Chile), Editora América do Sul LDA, 1988. (Biblioteca de Ouro da Literatura Universal)
  • WEBER, M. Ciência e Política: Duas Vocações. (1993) São Paulo: Cultrix.

14.3.06

Esclarecimento e Isenção de Responsabilidade

As iniciais de meu nome são E.M.G., sou brasileiro, casado, 45 anos, tenho formação superior e pós-graduação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Resido em uma cidade do interior do estado de São Paulo, Brasil. Quero neste texto, além de esclarecimentos, fazer uma isenção de responsabilidade.
  • Quero deixar muito claro que não sou médico, que recomendo a você, caso precise, a procura de um excelente médico e exija dele a máxima atenção que seu caso necessita.
  • Tudo o que aqui for mencionado como tratamento terá sólidas evidências e fundamentos científicos, mas se você decidir fazer uso de alguma prática, substância ou medicamento mencionado neste Blog, saiba que a responsabilidade pelas conseqüências é e será exclusivamente sua.
  • De minha parte eu prometo o empenho e a seriedade para divulgar somente informações de qualidade e que realmente possam ser úteis.
  • Para evitar problemas legais e indiscrições, pelo menos por enquanto, usarei somente as iniciais das pessoas envolvidas. No futuro, conforme o desfecho e a repercussão poderei mudar isto.
  • Se precisar de ajuda mande-me um e-mail ou faça um comentário no próprio site.

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